Carta de Clarice-1947-Berna-Suiça
" Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso -nunca se sabe qual o defeito que sustenta o nosso edifício inteiro...há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase 4 anos me transformaram muito.Do momento em que me resignei, perdi toda vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força.Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você- não copie uma pessoa ideal, copie você mesma- é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu,uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não ia ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário