quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013


“Sempre em frente, foi o conselho que ela me deu, sem me avisar que iria ficar pra trás.”
(Engenheiros do Hawai)


Sempre em frente também é o conselho que lhe dou, mas prefiro avisar que vou sim ficar para trás. Não vou estar lá no seu futuro glorioso, nem compartilhar seus sonhos, ou ouvir suas dores.  Não serei palco para que você atue, nem plateia para te aplaudir. Sem rancor, apenas fico.  Fico na impossibilidade da vida. Fico por minha própria covardia e meu medo. Fico porque respeito sua vontade e seus limites. Mas mesmo ficando, meu amor te acompanha.
 (Escrito numa outra vida, muito tempo atrás)



sábado, 23 de fevereiro de 2013

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@edilenegama3

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Crônicas de quem aprende - experiências de quando eu trabalhava em sala de aula


O menino no armário
Bonito. Alto para a sua idade. Estranho. No primeiro dia, me disseram que fazia cocô e xixi na roupa, ou no chão da sala. Um nojo. Podia também ser perigoso. Tomava muitos remédios. Não podia facilitar.
Ele não me olhou, nem quando chamei seu nome. AUTISTA (escrito a lápis no diário de classe). Permaneceu sentado. Seguiu a fila para a merenda. Fez cocô no chão da sala durante o recreio. Aceitou ser asseado. Permaneceu sentado. Foi embora com sua mãe.
Eu? Me assustei. Depois me assustei mais. Depois quis gritar socorro. Depois resolvi tentar. Depois me encantei. Me desencantei. Depois me encantei de novo. Aceitei.  E senti saudades.
Estava revoltado porque havia mudado de casa e amava uma mangueira, onde às vezes ficava até anoitecer, em cima de um galho. Tomava remédios. Autismo, diziam. Ficava muito irritado em algumas ocasiões. Não demonstrava afeto e não interagia. Informações que a mãe me passou sobre o filho. O pai não havia aguentado a pressão e abandonara os dois quando ele tinha cinco anos. Agora estava com quase doze.
Havia dias em que ele era todo apatia, outros agressividade calada. Ocasiões em que se punha a falar e notei que repetia as falas de um programa televisivo sobre planetas. Adorava esses programas, mas a fala era uma repetição literal e monocórdica. Quando parecia estar ausente, era presença garantida dentro do armário da sala. E me punha em desespero quando resolvia bater a cabeça na parede.
As outras crianças apontavam. Eu explicava. Tentava ignorar comportamentos e estabelecer contato. Dois ou três dias depois de falar sobre um tema em sala, ele poderia repetir minhas palavras exatas com a voz incômoda aos meus ouvidos. Parecia gostar quando eu levava revistas com tema sobre os planetas, ou sobre animais. Olhava durante muito tempo e eu sentava ao lado dele e falávamos sobre as imagens. Não. Eu falava e ele talvez ouvisse. Recortava as revistas. Copiava do quadro em algumas ocasiões.
Um dia quebrou com um chute o nariz de um colega de sala, que era muito atrevido e metido a engraçadinho. Foi tão rápido, enquanto eu escrevia no quadro, que nunca soube exatamente como aconteceu. A mãe do menino quis iniciar um movimento para tirar aquele perigoso aluno da escola. Fui a casa dela, conversei e fomos contornando a situação. Carlos continuava.
Um dia adoeci, faltei ao trabalho. No outro dia ele me trouxe uma plantinha. Um mato, para ser exata. Colocou sobre minha mesa. Você estava doente, me disse. Chorei. Tentei abraça-lo, mas ele não permitiu.
Carlos mudou-se antes do segundo semestre. Guardei aquele matinho em meu coração para sempre.