(Texto escrito enquanto esperava uma bolsa de sangue no hospital)
Por mais que a literatura especializada e a nossa formação nos afaste deste tema, há uma demanda constante dos professores para que façamos atendimento individualizado, na maioria das vezes, aconselhamento. A literatura é bem clara: o atendimento coletivo, os projetos, etc, são prioritários, premissa sobre a qual nem sequer discuto, por sabê-la fundamental. Mas o que fazer com esta outra demanda? Ignorá-la? Renegá-la?
Pode o aconselhamento efetivamente funcionar? De que forma? Sigo alguns passos na minha prática profissional, que coloco como dica aos colegas:
- Se checar e verificar os âmbitos da relação pedagógica e nada indicar deslocamento, é preciso abandonar o aluno e ouvir o ser humano.
- Ouvir requer, principalmente, despir-se de qualquer ideia preconcebida a respeito do tema abordado pelo aluno. Esqueça sua religião, esqueça seus preconceitos, fuja das suas considerações sobre o que é ou não importante.
- Não há como aconselhar de forma eficiente sem a formação do vínculo entre aconselhador e aconselhando. Essa questão é controversa, mas se o aluno confia e respeita você, as chances de que o aconselhamento funcione são bem maiores. Palavras lançadas através de uma relação de superioridade, dificilmente surtem efeito.
- Como estabelecer e manter o vínculo?
- O que o professor busca no aconselhamento?
- Como realizar a devolutiva para o professor sem quebrar o vínculo (confiança)?
- É possível que o aconselhamento se dê em sessão única?
O professor, por sua vez, na maioria dos casos, busca apoio para a sua própria prática pedagógica: indisciplina e não aprendizagem. É como se quisesse confirmar que o problema é sempre a criança, quando na maioria das vezes, não é. E a expectativa do professor é que, levando o aluno para que o OE atenda, em apenas uma sessão, tudo ficará bem. No entanto, o que fazemos é buscar a origem do problema, partindo do micro-ambiente, que é a sala de aula, para os macro ambientes, que abrangem espaços maiores e interseccionam-se com outras esferas de ação.
Problemas de aprendizagem tem, inicialmente uma rotina diagnóstica que abre para áreas básicas:desenvolvimento de habilidades intelectivas, saúde, relacionamento professor x aluno, convivência no ambiente escolar e metodologia de ensino.
Dificilmente numa conversa inicial com o estudante trará todas estas respostas, tanto em se tratando de crianças muito novas, ou adolescentes, mas a experiência do OE e o conhecimento que ele já traz desse bioma escolar muitas vezes o leva a intuir certeiramente, facilitando o processo.
Quando a questão diz respeito ao meio escolar, geralmente é mais fácil de ser resolvida, mesmo quando se torna necessário envolver o professor e a equipe gestora no assunto.
Entretanto, ao perceber que os problemas fogem ao fazer pedagógico, há um caminho mais delicado a ser percorrido. há um jogo de conquista da confiança, até que o aluno possa se abrir, principalmente se ele estiver na puberdade, ou na pré-puberdade. Acredito ser fundamental neste momento que o sigilo profissional seja deixado claro ao aluno. Que ele saiba que, para além do sigilo, também não haverá julgamentos morais e que, ao lado da figura de autoridade que jamais poderemos abandonar, existe o amigo. Somente de posse das nuances do problema , sem se permitir juízo de valor, deve o orientador aconselhar, com todo o respeito e com a consciência da profunda responsabilidade imbuída nesta ação.
A criança pequena, em sua inocência, costuma logo se aliviar, seja através do desenho, ou da fala e neste caso, havendo problemas no núcleo familiar, este deverá ser imediatamente contactado para a discussão da problemática e encaminhamento ao especialista, geralmente psicólogo, assistente social ou, em casos de abuso, Conselho Tutelar.
O tratamento dado ao adolescente vai depender muito mais do aconselhamento e da orientação. Quando nos são relatados casos de abusos, violência, desestruturação familiar grave, é através do vínculo de confiança que vamos prepará-lo para o momento de abrir o jogo e procurar os órgãos de defesa. Pela minha experiência, quando ele chega a relatar o caso a você, normalmente, em poucos dias ele se sentirá forte e pronto a enfrentar a situação. Em minha prática profissional isso raramente deixou de acontecer.
A devolutiva para o professor envolve outra relação de confiança. Quando há problema em relação ao ambiente escolar ou ao fazer pedagógico, é uma devolutiva é sempre aberta, completa. mas quando envolve o aluno, sua individualidade, sua família, etc., a devolutiva é sempre parcial, para que não haja uma quebra do vínculo ou do sigilo profissional do OE, sendo nesta situação que tanto professor quanto gestores precisam confiar no trabalho da orientação, na capacidade de discernimento que o profissional possui sobre quando e como fazer aquilo que lhe compete.
Encerro com um trecho de um livro chamado 13 Porquês, de Jay Asher, porque na história, a última pessoa em quem ela colocou suas esperanças foi o OE:
[...] Obrigada, Sr.Porter.
– Hannah. Espere. Você não precisa ir embora.
Eu grito entre as barras. Por cima das árvores.
– Não.
Acho que é isso. Não deixe ela sair. Já consegui o que buscava.
– Acho que temos mais coisas para conversar, Hannah.
Não, acho que já destrinchamos tudo. Preciso seguir em frente e deixar isso pra lá.
– Não é deixar pra lá, Hannah. Só que às vezes não resta nada a fazer a não ser seguir em frente.
Não deixe ela sair desta sala. O senhor está certo. Eu sei.
– Hannah, Não entendo por que você está com tanta pressa para ir embora.
_ Porque preciso levar as coisas em frente, Sr. Porter. Se nada vai mudar, então e melhor eu leva tudo em frente, certo?
– Hannah, do que você está falando?
_ Estou falando da minha vida, Sr. Porter.
Uma porta se abre.
– Hannah, espere.
Uma porta se fecha. O zíper se abre. Passos. Passos ganhando velocidade. Estou descendo o corredor. Sua voz está clara. Mais alta. A porta dele está fechada atrás de mim. Ela permanece fechada. Uma pausa.
Ele não vem. Pressiono o rosto, com força, nas barras. Sinto como se elas fossem uma prensa que vão apertando meu crânio quanto mais eu empurro a cabeça contra elas. Ele está me deixando ir embora. O ponto atrás da minha sobrancelha lateja intensamente, mas não toco nele. Não esfrego. Deixo latejar. Acho que me expressei com muita clareza, mas ninguém deu um passo para me impedir. Quem, Hannah? Seus pais? Eu? Você não foi muito clara comigo. Muitos de você sem importaram comigo, mas não o bastante. E isso... isso é o que eu precisava descobrir.
[...]
Alguns não sentirão vontade de retribuir as mesmas palavras. Alguns ficarão com muita raiva de Hannah, por ela ter se matado e colocado a culpa em todo mundo.[...]
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