O menino no armário
Bonito. Alto para a sua idade.
Estranho. No primeiro dia, me disseram que fazia cocô e xixi na roupa, ou no
chão da sala. Um nojo. Podia também ser perigoso. Tomava muitos remédios. Não
podia facilitar.
Ele não me olhou, nem quando
chamei seu nome. AUTISTA (escrito a lápis no diário de classe). Permaneceu sentado.
Seguiu a fila para a merenda. Fez cocô no chão da sala durante o recreio. Aceitou
ser asseado. Permaneceu sentado. Foi embora com sua mãe.
Eu? Me assustei. Depois me
assustei mais. Depois quis gritar socorro. Depois resolvi tentar. Depois me
encantei. Me desencantei. Depois me encantei de novo. Aceitei. E senti saudades.
Estava revoltado porque havia
mudado de casa e amava uma mangueira, onde às vezes ficava até anoitecer, em
cima de um galho. Tomava remédios. Autismo, diziam. Ficava muito irritado em
algumas ocasiões. Não demonstrava afeto e não interagia. Informações que a mãe
me passou sobre o filho. O pai não havia aguentado a pressão e abandonara os
dois quando ele tinha cinco anos. Agora estava com quase doze.
Havia dias em que ele era todo
apatia, outros agressividade calada. Ocasiões em que se punha a falar e notei
que repetia as falas de um programa televisivo sobre planetas. Adorava esses programas,
mas a fala era uma repetição literal e monocórdica. Quando parecia estar
ausente, era presença garantida dentro do armário da sala. E me punha em
desespero quando resolvia bater a cabeça na parede.
As outras crianças apontavam. Eu
explicava. Tentava ignorar comportamentos e estabelecer contato. Dois ou três
dias depois de falar sobre um tema em sala, ele poderia repetir minhas palavras
exatas com a voz incômoda aos meus ouvidos. Parecia gostar quando eu levava
revistas com tema sobre os planetas, ou sobre animais. Olhava durante muito
tempo e eu sentava ao lado dele e falávamos sobre as imagens. Não. Eu falava e
ele talvez ouvisse. Recortava as revistas. Copiava do quadro em algumas
ocasiões.
Um dia quebrou com um chute o
nariz de um colega de sala, que era muito atrevido e metido a engraçadinho. Foi
tão rápido, enquanto eu escrevia no quadro, que nunca soube exatamente como
aconteceu. A mãe do menino quis iniciar um movimento para tirar aquele perigoso
aluno da escola. Fui a casa dela, conversei e fomos contornando a situação. Carlos
continuava.
Um dia adoeci, faltei ao
trabalho. No outro dia ele me trouxe uma plantinha. Um mato, para ser exata.
Colocou sobre minha mesa. Você estava doente, me disse. Chorei. Tentei
abraça-lo, mas ele não permitiu.
Carlos mudou-se antes do segundo
semestre. Guardei aquele matinho em meu coração para sempre.