domingo, 2 de maio de 2010

MEU MELHOR AMIGO, GUIMARÃES ROSA E A FEIURA

Fui ao hospital levar os filhos para uma consulta, enquanto aguardava  três horas para uma consulta de três minutos, como é típico no serviço público de saúde, notei sobre uma mesinha na sala de triagem, o livro Grande Sertão Veredas.
Recém-chegada a este lugar, que é a um só tempo longe de tudo e de todos os amigos que pertencem a mesma tribo de loucos que eu, fiquei ansiosa, à espreita daquele leitor, possível amigo ou amiga, que me levaria a um novo círculo de amizades e ao famoso sentimento de pertença descrito por Maslow.
Um dos meus filhos é chamado para a triagem e o livro permanece repousando, como se tivesse ali chegado por mãos invisíveis. A enfermeira me faz as perguntas de praxe: deu febre? vomitou? etc. Eu respondo distraída, sem tirar os olhos de cima do Guimarães, mas num minuto que dedico a verificar o peso da criança a mesinha fica vazia. Angustio-me enquanto ela repete os procedimentos com a menina. Meus pensamentos alternam-se: "Alguém o roubou e o dono não percebeu!" "Quem é o dono?" 
Finalmente livre, volto à sala de espera e passo em revista todos os pacientes sentados a minha volta: nada! Levanto-me e, como quem não quer nada, olho dentro do guichê de atendimento: o funcionário apenas boceja. Tudo aponta para o fato de que ele se foi. Conformar-me eis o que me resta! De repente, meus olhos, meu cérebro e meu coração, percebem ao mesmo tempo: Lá! Um pouco afastado, em pé, de costas, com os braços flexionados. Só pode estar lendo! 
Posso ouvir o vibrar dos meus batimentos enquanto caminho até ele e digo: 
__Oi! Estive observando você... 
E trocamos impressões, autores, acervo e vamos nos tornando amigos de infância e descubro que ele tem outro amigo pra me apresentar e começo a me sentir em casa. Sinto a emoção do reencontro, sei que ele ouve o mesmo tipo de música, deve gostar de cachorro, bebemos café e conversamos muitas tardes.
Saio do transe no exato segundo em que ele se volta para o lado onde estou, incomodado pelo sol no rosto. Paraliso, os músculos retesam, lá está um cara feíssimo! No mundo tem gente bonita, gente regular, gente feia e o sujeito em questão. 
Lutei duramente contra meu preconceito: 
__ A beleza é só um conceito.
__ Ele deve usar aquele livro pra atrair vítimas.
__ Ele é belo por dentro.
__ Lembre-se de Vinícius...
Antes que a guerra terminasse, fui chamada para a consulta e quando retornei, decidida a me apresentar, ele se fora.

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