Sua mãe lhe arrumara aquela bocada, com auxílio de um vereador: lecionar numa escolinha perdida na selva amazônica. Coisa passageira, logo o padrinho chegaria a deputado e lhe conseguiria um posto na cidade. Um pouco contrariado, enfrentou atoleiros e outros incômodos dentro do ônibus velho que ia e voltava do fim do mundo uma vez por semana.
Estabeleceu-se na escolinha, que a bem da verdade era uma palhoça, no meio de uma clareira na floresta. Mesmo cansado da viagem, não conseguiu adormecer, sobressaltando a cada barulho vindo de fora. Sabia que sua mãe lhe sonhava um grande futuro, mas em seu íntimo conhecia-se médio em tudo: no porte, nem tão franzino, nem tão atlético; na aparência, nem bonito, nem feio; na inteligência, nem estúpido, nem genial. Viera para não decepciona-la, mas na primeira noite já estava arrependido.
Acordou com o barulho dos alunos, uns 12 ao todo, com olhos arregalados diante do professor da cidade. A rotina instaurou-se ditadora para ele, naquela terra esquecida de Deus e dos homens: pela manhã lecionava, à tarde visitava os sítios em busca de novos pupilos. Seu perfil mediano agradava aos seringueiros e agricultores da região.
Não previu, nem pressentiu a chegada de Santinha. O pai procurou matricular a filha, já um tanto atrasada nos estudos, a fim de que ela concluísse a quarta série. Depois de ter feito os devidos registros burocráticos, sem nem mesmo deitar um olhar mais interessado ao documento da moça, congratulou-se por mais uma aluna e foi só. Naquela noite, como em todas as outras anteriores, desejou estar em casa, comer a comida preparada pela mãe, assistir uma partida de futebol na TV e depois sair com um grupo de amigos. Tomou um gole de cachaça e dormiu ouvindo o som da chuva na palha.
Às oito em ponto já tinha preparado a merenda e tentava improvisar uma ponte para que as crianças chegassem até a escola, pois o tronco que havia antes fora carregado pela enxurrada. Ouviu passos e risos característicos se aproximando, seguidos da voz mais doce, perguntando: - Onde podemos lavar os pés?
A voz surpreendente, tinha uma dona ainda mais. Santa Maria, vulgo Santinha, cabocla de olhos amendoados, batom rosa nos lábios, cabelos negros lhe caindo sobre os ombros, saia rodada e blusa branca. Impossível para ele dizer palavra diante daquele milagre que caminhava silencioso a sua frente.
Não havia mais nada de rotineiro naquela manhã, que não se decidia se se escancarava ou se se escondia por entre as nuvens. A cada movimento sentia olhar dela fixo em sua figura, atraindo-o. Quando erguia a cabeça e a procurava, ela baixava os olhos. Quatro horas e ela nem palavra, copiou atenta, ouviu e se foi. Cá ficou ele, enervado, pensando no tolo papel que representara, afinal ela era uma caboclinha e nada mais. Ta certo que chamava a atenção assim à primeira vista, mas observando melhor se percebia nela certa obtusidade que a enfeava. Tarde da noite lembrou-se de verificar a exata idade da moça: 15 anos. Dormiu e sonhou com uma festa de debutantes.
A partir do segundo dia, Santinha era outra: mostrava senso de humor, ajudava com os menores, preparava a merenda e se interessava vivamente por tudo quanto dizia respeito à vida na cidade com suas possibilidades e aventuras. Os olhares continuavam fugidios, mas queimando-lhe a pele. Perto dele, suspirava. Cada toque casual era uma descarga elétrica a afligir-lhe. Por causa do calor, mantinha um botão da blusa aberto, deixando entrever o contorno tépido dos seios. As coxas roliças amorenadas estavam quase sempre à mostra, aparentemente por um descuido inocente e jovial.
Aquela candura toda lhe impingia um fardo de culpa extremada por seu olhar concupiscente. Quatro horas do seu dia eram gastos tentando esconder a paixão que já ardia em seu peito e no tempo restante, se entregava aos mais variados delírios românticos.
Um dia, não pode conter-se. Estavam à sós, terminando de lavar a louça de merenda, quando ele a tomou nos braços, amaram-se e decidiram partir no dia seguinte bem cedo, temendo as possíveis conseqüências. Construiriam uma vida juntos na cidade, seriam felizes para sempre. Rememorando tudo, apenas uma coisa lhe incomodava levemente: ela parecia ser muito experiente na arte do amor. Mas quando esse pensamento ameaçava ganhar força, era repelido com veemência pela fogos de artifício em seu peito.
Partiram logo cedo, mas o pai só se preocupou quando as crianças voltaram antes do esperado dizendo não ter havido aula porque o professor não estava na escola. Esperou ainda uma meia hora para ver se Santinha chegava. Selou o cavalo e foi atrás. O vazio da palhoça contou tudo. Sem saber pra onde ir, o velho tomou rumo da casa do noivo, para cientificá-lo do ocorrido. Ao apear do cavalo, acorreu chorando ao seu encontro a mãe do rapaz, para lhe avisar que os dois haviam fugido juntos para a cidade grande: a Santinha e o noivo, iriam começar vida nova.
Sandra Rosa Madalena
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